Tecnologia, valor, emancipação

A tecnologia, por si só, não resolverá os complexos problemas sociais e a desigualdade, pois, embora ofereça soluções inovadoras para uma série de necessidades, seu desenvolvimento e implementação dependem de fatores políticos, sociais e, sobretudo, económicos. De facto, a capacidade tecnológica do sistema produtivo global poderia eliminar a fome e cobrir as necessidades básicas no mundo, mas os avanços tecnológicos têm sido impulsionados por poderosos grupos económicos privados cujo interesse é a procura de lucro e poder, não satisfazer as necessidades sociais, resultando em exacerbação das desigualdades e perpetuando a dependência tecnológica entre países no marco das relações de dominação centro-periferia. A tecnologia não é negativa por si própria. Depende de quem exerce o seu controle e para que finalidade. O seu uso não é imparcial. A forma como as sociedades se organizam para produzir os bens e serviços que satisfazem as suas necessidades é determinada pelas forças produtivas disponíveis, entre as quais se inclui a tecnologia. O avanço constante das forças produtivas na sua capacidade de produzir mercadorias sempre está à frente das relações de produção. Apenas em determinado estágio crítico do seu desenvolvimento é que colidem com a organização social da produção que atua como um entrave que limita o desenvolvimento da capacidade produtiva. É nesse ponto que, junto com outros fatores de natureza distinta como os ideológicos, políticos, etc., surgem as condições adequadas para que ocorra uma mudança qualitativa nas relações de produção vigentes. Contínuos avanços quantitativos na capacidade produtiva podem precipitar uma mudança qualitativa nas relações entre capital e trabalho. Tecnologias revolucionárias? Serão as novas tecnologias capazes de provocar uma mudança revolucionária na organização social ou apenas servem como um instrumento para regenerar o capitalismo? No início da cadeia de produção de qualquer nova tecnologia, sempre se encontra o intelecto e o trabalho humano Existe uma corrente alternativa que acredita na ideia de que o atual nível de desenvolvimento tecnológico destruirá a sociedade baseada no valor, e que surgirá uma nova sociedade onde a propriedade pública dos meios de produção tecnológicos e o fim do sistema salarial irão inaugurar um novo sistema de distribuição de bens e serviços de acordo com as necessidades das sociedades humanas. O atual nível de desenvolvimento da tecnologia poderia, assim, provocar a transformação da organização social. Nesta corrente encontramos o Institut for the Study of the Science of Society, que assinala que à medida que a mudança tecnológica avança e os capitalistas reorganizam a produção com base nas novas tecnologias, ocorre um processo de destruição de valor. À medida que as formas de produção sem trabalho se generalizam, a infraestrutura social, os serviços públicos, etc., vão sendo destruídos. A organização social baseada no valor, resultado do trabalho humano, começaria a desintegrar-se, e surgiria uma nova sociedade onde a propriedade pública da tecnologia e dos demais meios de produção permitiria um sistema de distribuição de acordo com as necessidades sociais e não com o lucro privado. Outra visão crítica e mais realista assinala que neste estágio do processo histórico é falsa a ideia de que a tecnologia pode substituir a força de trabalho humana na criação de valor. Não muda nada substancial em relação à organização social da produção e será impossível superar os complexos problemas sociais e territoriais com soluções técnicas aparentemente neutras. O avanço tecnológico apenas representa uma nova forma de produzir, mas continua dependente da força de trabalho humana. No início da cadeia de produção de qualquer nova tecnologia, sempre se encontra o intelecto e o trabalho humano, e as tecnologias avançadas utilizadas hoje nos processos de produção mais modernos, incluindo a inteligência artificial, são resultado da acumulação de conhecimento e atividade produtiva de gerações anteriores. Não deixa de ser trabalho morto ou passado no qual se materializou o trabalho vivo das fases produtivas precedentes. Rentabilidade Em todo caso, neste momento, o controle existente sobre os meios de produção, incluindo a tecnologia, não questiona o atual quadro de relações de produção. A utilização das novas tecnologias não é neutra. Por isso, não acreditamos que o avanço tecnológico seja um objetivo do capitalismo para a sobrevivência e o progresso humanos. A tecnologização torna-se um meio para conquistar rentabilidade e apenas será impulsionada na medida em que proporcione lucro.